O Estado é laico. E é muito bom que seja assim. Sua laicidade é necessária até mesmo para preservar a liberdade religiosa e todo legítimo pluralismo. O Estado laico pode assim servir melhor a sociedade, sua razão de ser. A sociedade não é laica, ela se constitui pela convivência de várias instituições, inclusive pela convivência de várias religiões, todas elas empenhadas em responder ao apelo religioso que mora nas profundezas do ser humano.
Na sociedade devem connviver harmoniosamente pessoas religiosas e pessoas não religiosas. O respeito à diversidade é condição “sine qua” de uma verdadeira democracia. A sociedade é feita de espaços diversos. Há o espaço religioso e há o espaço secular. Não se opõem, embora sejam distintos. Também as pessoas religiosas sabem disso. Procuram, entretanto, levar as questões da existência-no-mundo para dentro do espaço religioso, bem como procuram fecundar a vivência secular, sem desnaturá-la, com os valores bebidos na experiência religiosa.
A experiência cristã católica da Eucaristia, por exemplo, onde nos encontramos com Deus de uma forma muito profunda, é uma vivência religiosa que nos impele a levar para o espaço secular – educação, economia, omunicação, etc... - o sentido da solidariedade e da fraternidade como valores fundamentais para a construção da justiça e da paz social. Se posso levar para dentro da celebração religiosa as questões vividas no espaço secular, posso também explicitar no espaço secular, sem desnaturá-lo, a dimensão religiosa da existência que é para mim de fundamental importância. Respeitadas as diferenças de credo, pergunto: seria violentar a natureza de uma escola iniciar as aulas com uma prece a Deus, pedindo suas luzes para a boa convivência dos estudantes e a graça de um real empenho em aprender? Curioso que haja pessoas que, em defesa da liberdade e da laicidade do Estado, aceitem que um professor defenda o ateísmo, ainda que disfarçadamente, e recriminem a outros que manifestem sua crença em Deus. Nesse contexto gostaria de levantar a questão do ensino religioso nas escolas públicas.
O Estado é laico e deve ser. A sociedade é plural. O Estado não é o dono das escolas mantidas com os impostos que a sociedade generosamente lhe entrega para que em seu nome os administre.
O Estado, quando se sente dono da educação, transforma-a em instrumento de uma ideologia totalitária. Um grupo se apossa do Estado e se considera o portador da verdade total sobre o ser humano. O Estado, portanto, não pode impor um modelo de educação que contarie os valores de que a sociedade se nutre para se manter coesa e solidária. Nesse sentdio nossa Constituição dispõe que o ensino reliogioso deve ser oferecido pela Escola, sendo a matrícula opcional da parte dos estudantes e/ou de suas famílias. Nada mais democrático. Hoje, mais que ontem, as escolas estão necessitadas da presença da família e necessitadas de uma orientaçào religiosa que motive a vivência fraterna como fundamento do processo de crescimento da pessoa. Mais que nunca é necessária a presença de Deus nas escolas, sobretudo nas públicas. Interessante observar que, na Alemanha, onde a Social Democracia já ocupou por longo período o governo, o ensino religioso confessional é disciplina curricular do primário até o segundo grau.
A Constituição da Federação Alemã garante aos pais o ensino aos seus filhos na sua própria confissão. Quem não quer que os filhos participem declaram-no na diretoria para que participem de outra disciplina. Mesmo se, em toda Alemanha, a secularização, o consumismo, até a descristianização, e - com a presença crescente de imigrantes mulçumanos – a multiculturalidade aumenta, na parte ocidental da Alemanha o Ensino Religioso continua bem organizado e funciona bem.
Democracia de verdade é assim: as escolas estão a serviço da sociedade e não da ideologia – religiosa ou atéia – de um grupo no poder. Não pode ser o Estado a ditar os valores que devem orientar a educação das crianças e da juventude, mas a sociedade como um todo, devendo as Escolas oferecer aos estudantes o conhecimento científico e os valores morais que devem reger a vida social bem como o ensino religioso de acordo com a tradição da família de onde procede o estudante. O ensino religioso deve ser o espaço de formação correta da dimensão religiosa da pessoa dentro de sua tradição. Existem também na Alemanha Universidades Federais com Faculdades de Teologia, algumas com duas, uma Católica, outra Luterana.
Conclusão: não ensina democracia a Escola que exclui de seu currículo e de sua vivência a dimensão religiosa, vivida na família e na comunidade. Negar no espaço secular a presença efetiva da experiência religiosa e do ensino a ela relacionado atenta contra o direito da família e das comunidades religiosas de que seus filhos recebam na escola uma educação integral. Se algum dia toda a sociedade se tornar atéia, seja banido o ensino religioso das escolas. Tanto quanto o fundamentalismo religioso é perverso o fundamentalismo laicista.
Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba - SP
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